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ETNICIDADES CIGANAS DO BRASIL

 

Etnicidade é o conjunto de características comuns a um grupo de pessoas, que as diferenciam de outro grupo. Normalmente essas características incluem a língua, a cultura e também a noção de uma origem comum.

O conceito de “etnicidade” tem um significado puramente social, está mais ligado à cultura do que um conceito de raça. Portanto, pessoas ligadas à questão cigana incorrem em grande erro quando dizem: “meu povo” ou “povo cigano”.

Na verdade, a etnicidade é um atributo que todos os membros de uma população possuem, e não apenas determinados segmentos desta, entretanto, a etnicidade está, com maior frequência, associada a grupos minoritários (*) dentro de uma população.

(*) A expressão “grupos minoritários” é usada aqui, não em caráter numérico e sim a posição subordinada do grupo dentro da sociedade, pois o termo minoria expressa sua situação de desamparo.

Cigano Calon

ETNICIDADE DO GRUPO CALON

 

Devemos observar que a etnicidade do Calon, que hoje vive aqui no Brasil, engloba as influencias obtidas quando de sua passagem pela Turquia, Grécia, Espanha e Portugal. Os Calon foram os primeiros ciganos a chegar ao Brasil, no século XVI, como degredados de Portugal. Na etnicidade do grupo Calon as maiores características são: “o estilo de vida”, “a língua” e as relações de parentesco. 

 

- o estilo de vida:

a maioria dos Calon vive em áreas de pouso (que são terrenos usados para acampar, públicos ou privados, cedidos, ocupados ou arrendados) que se situam nas periferias, estrategicamente próximos a estações ferroviárias e metroviárias para facilitar o fluxo comercial de homens e mulheres. Os homens trabalham no comercio informal com a compra e venda de ferramentas, negociam a troca desde carros usados a aparelhos eletrônicos e também agiotagem. Esse modo de vida urbana interage simultaneamente com uma forma de vida rural: nos pousos ou acampamentos criam: galinhas, porcos e, não raro, cavalos.  No vestuário os homens adotam um visual estilo “country” - chapéu de vaqueiro, bota e cinturão.

 

 
Cigana Banjara

 

As mulheres, por sua vez, realizam diariamente a leitura da “draba”(leitura de mão) nos centros da cidade e os valores auferidos desse meio serão utilizados nas despesas do dia-a-dia. Mas no vestuário elas mantiveram cores e desenhos que nos fazem lembrar o vestuário de ciganas Banjaras da Índia. A música que os Calon consideram como música cigana possui apenas duas variantes: no sul e sudeste, a música sertaneja; e no norte e nordeste, o forró.

 

Cigana Calin
Cigana Banjara (Índia)
Cigana Calin (Brasil)

 

- a língua:

os Calon brasileiros sempre utilizaram o português como língua de comunicação e dentro da língua portuguesa incluíram um paradialeto do Romani que eles denominam de “shib” (que em Romani significa língua). Portanto, esse paradialeto nada mais é do que um repertório linguístico que tenta salvaguardar um espaço imaginário entre o grupo Calon e o não cigano. A construção da frase sempre ocorre em português com o acréscimo deste repertorio em “shib”, exemplo: ‘ce vai na gav hoje dá a drabe ou vai te que malarda manhã?
Devemos ressaltar que esse repertório chamado de “shib” pelos Calon não constitui homogeneidade linguística e semântica em território nacional. E também que a grande maioria entre os jovens, atualmente, não conhece esse repertório linguístico.

 

Acampamentos Ciganos no Brasil

A BR 101 (translitoranea) atravessa doze estados brasileiros.

Quantidade aproximada de ciganos do grupo Calon por região:

* essa quantidade aproximada foi calculada de acordo com a tabela 174 do IBGE, mas sabemos que o número real por município é bem maior.

Rio Grande do Norte (estimativa de 3500)
Paraíba (estimativa de 1500)
Pernambuco (500)
Alagoas (400)
Sergipe (400)
Bahia (1600)
Espírito Santo (300)
Rio de Janeiro (1500)
São Paulo (1000)
Paraná (1500)
Santa Catarina (800)
Rio Grande do Sul (400)

Em todos esses estados encontramos a presença de acampamentos Calon que se organizam em grandes grupos, formados por famílias extensas, patrilineares, e, embora muitos acreditem que esse grupo seja composto por nômades, a maioria entre eles busca pela possibilidade de vida sedentária.

 

 


Distribuição geográfica

 

Podemos definir as relações de parentesco como relações entre acampamentos. Os Calon se organizam em grupos liderados por chefes ( há muito tempo atrás chamados de Baro, depois Capitão). Em um grupo geralmente encontra-se: casais idosos, seus filhos homens com os netos e outros parentes e até conhecidos que se agregam ao grupo. No grupo não há competição e sim contribuição para a manutenção do acampamento. Ser prestativo é qualidade que normalmente define o chefe. Mas ainda existe um diferencial nessa relação de parentesco que vem mudando o comportamento e os valores nos acampamentos: a presença do “agregado”. O agregado é aquele não cigano que se casou com uma cigana e passou a viver no acampamento.

O grande problema da etnicidade Calon encontra-se dividido em quatro dimensões:

A problemática social – as desigualdades sociais e a falta de politicas de integração;

A problemática cultural – a língua, os valores e crenças religiosas, as tradições culturais e os estilos de vida e as relações de parentesco que são muito diversas de família para família;

A problemática politica – a falta de organização interna da comunidade face ao meio não cigano e a falta de autoridade interna nos dias de hoje;

A problemática do pluralismo – os Calon de diversas regiões não se reconhecem como indivíduos de uma mesma etnia.

 

Cigano Rrom

ETNICIDADE DO GRUPO ROMA

Devemos observar, também, que a etnicidade dos Roma, que hoje vivem aqui, engloba um numero bem maior de influencias. E tais, influencias, foram adquiridas em regiões pelas quais passaram, antes de chegarem ao Brasil.

Uma forte característica da etnicidade dos Roma tem a ver com o fato de que se organizam em subgrupos de origens histórica e geográfica, completamente diferentes entre si denominados “natsias” (nações). Tais como: Ambrelara, Arlie, Asurara, Aurari, Ayjides – Mechkara – Ursari, Balaara, Beasha, Bergitska, Bohemiens, Boiasha, Burgenland, Cale, Cerhara, Chuxni, Churara, Domaca, Domí, Druckara, Djambaza, Djugí, Fuyudj, Ghurbat, Lovara, Calderara, Labanci, Latfika, Lom, Lúrí, Machvaia, Patavara, Seliyeri, Tattare, Vichodnara, Xoraxane, Zapadnara, Zargar.

E as mais numerosas são:

-nação calderara;
-nação machvaia;
-nação lovara;
-nação boiash;
-nação xoraxane...

 

Dentro desses subgrupos encontramos subdivisões agnáticas denominadas de “vitsa” - utilizamos o termo “agnáticas” para designar os parentes com os quais conseguimos reconstituir uma relação por via paterna e dos seus ascendentes patrilineares pelo menos durante duas gerações;  A “vitsa” pode funcionar como uma congregação emancipada de uma ou de varias famílias extensas.   Um exemplo que podemos apreciar é o dos xoraxane, provenientes de regiões da Sérvia, da Grécia e da Itália, que antigamente se organizavam em uma vitsado subgrupo calderare, a partir da incorporação de força econômica e política pelas alianças matrimoniais, emanciparam-se — já no Brasil — em uma “natsia”.

Nas denominações ‘natsia” e “vitsa” podemos facilmente decodificar os nomes de locais de origem, das profissões características do grupo e ou ainda de um ancestral comum e importante (que seria o chefe).

Assim, nas apresentações entre os roma podemos encontrar, por exemplo:

Um calderare que diga o seguinte:

“Me som kelderashi  taj mordovaia vitsa”.
Eu sou da nação caldeireiros e da família dos Moldavanos.

“Me som kerderashi natsia taj Markovitch vitsa”
Eu sou da nação caldeireiros e da família do Marco (se deve ao nome de um ancestral comum).

Entre os Roma a vida em comunidade é uma condição determinante.

Os núcleos familiares se organizam em famílias extensas, dando preferência à co-residência. Esse fato evidencia que a relação entre parentesco e espaço fundamenta a identidade roma.

Entre os Roma brasileiros eis as nações mais significativas quantitativamente:

Calderara é o nome de um dos quatro grupos ciganos do leste da Europa.
E a palavra calderara, tradicionalmente, significa ferreiro ou funileiro.
Eles viveram, por longo periodo, na atual Sérvia, mas migraram para outras partes do mundo. Viveram na Russia (onde eram chamados de kotlyari) até o inicio do século 20, e em virtude desse fato o Vlax Romani, dialeto falado por eles, contém muitas palavras de emprestimo russo e eslavo. Hoje é calculada uma populaçao calderara em torno de 350 mil aqui no Brasil, através de dados do projeto Joshua.

Como exemplo do que acabamos de mencionar podemos citar a existência de um “bairro etnico” em Campinas – São Paulo - Os ciganos do Parque Taquaral são todos Roma, do subgrupo Calderash, originários da Itália, com passagens por outros países latino-americanos nas décadas de 40 e 50. Eles deixaram a Itália com as perseguições raciais durante a II Guerra Mundial. Formavam um grande  clã, pois todos eram aparentados em algum grau uns dos outros.

  Machvaia esta palavra, além de denominar outro grande grupo do leste da Europa, também indica a origem: pois todos são originarios da região de “macva” um distrito da Sérvia. Viveram na Sérvia e Iugoslavia por longo periodo e depois migraram para outras partes do mundo.  Cerca de 80 mil aqui no Brasil.

Lovara essa tambem, é uma palavra que além de denominar um grupo originário da Hungria, indica que eles tradicionalmente eram negociantes de cavalos. Pois, a palavra provém de “lovak” que em hungaro significa “cavalos”. Apenas algumas familias aqui no Brasil.


Boiash aqui no Brasil, este grupo está tradicionalmente ligado ao circo. Mas a verdade é que foram mantidos como escravos na Valáquia e Moldávia até o final do século 19, quando a escravidão foi abolida. Desde o século 14 foram forçados a estabelecer trabalhos de mineração e daí que vem o nome. Pois, em romeno, baie, significa mina. No Brasil, apenas algumas famílias.

Xoraxaneestes são os roma que adotaram a religião islâmica na Turquia, Bosnia e Herzegovina, Albânia, Egito, Kosovo, Macedônia, Grécia, Romênia, Croácia, sul da Rússia, Crimeia e da região do Cáucaso. Após o colapso do Império Otomano, nas regiões onde o islamismo já não era a religião dominante os xoraxane passaram a sofrer dupla discriminação, étnica e religiosa. Aqui no Brasil, apenas algumas famílias.

 

Sinti

ETNICIDADE DO GRUPO SINTI

Os Sinti chegaram à Alemanha e Áustria ainda na Idade Média, divididos em dois grupos:

Eftavagaria (as sete caravanas)
Estraxaria (austríacos).

Estes grupos originários se expandiram: o “eftavargaria” na França onde hoje são conhecidos e autodenominados por Manush e os “estraxaria” na Itália (na região de Piemonte). No Brasil a presença Sinti sempre foi insignificante em termos numéricos.  Apenas algumas famílias.

No grupo sinti encontramos a seguinte subdivisão:

Galshkane manush – sinti do norte da Alemanha (Sinti alemão);
Piemontesi manush – sinti do norte da Italia; (Sinti italiano);
Prajshtike manush – sinti da Prússia e Alçacia; (Sinti prussiano ou alçaciano);
Valshtike manush – sinti da França; (Sinti francês);

Destacamos que na etnicidade sinti o papel da família é crucial para o desenvolvimento do individuo. Costumamos dizer que: a familia é a pátria (visto que ela é responsavel por nossa defesa fisica e espiritual, educação, e relações economicas). O indivíduo “manush” fundamenta sua identidade pela familia e não somente pelo grupo. É justamente na familia que ele constroe sua personalidade social. A família é a rede social primária, e não a relação de parentesco que ocorre entre outros grupos de ciganos como os roma e os calon de familia extensa.

A familia deixa claro ao indiviuo “manush” que sua personalidade e identidade são construídas em torno de uma indivisibilidade do ser. Cada “manush” tem, no minimo, dois nomes, o nome para lidar com o “gazho” (não cigano) e o nome usado pela comunidade.

 

EM ULTIMA ANALISE, PODEMOS GARANTIR QUE AS ETNICIDADES CIGANAS DO BRASIL, MESMO COM SUAS DIFERENÇAS, FORMAM UMA “romanipen” (identidade) ENTRE NOSSA ETNIA. POSTO

QUE EM NOSSAS ETNICIDADES RESIDE A MEMORIA COLETIVA CIGANA: QUE É O QUE NOS UNE INDO ALÉM DAQUILO QUE POSSA NOS SEPARAR. 

 

Etnicidades Ciganas no Brasil - copyright©Nicolas Ramanush